Saturday, June 19, 2010

A capacidade de serem escrotos os seres humanos.

Escrevi esse texto em 2006, mas como sempre continua super atual...


A capacidade de serem escrotos os seres humanos.

( pensamentos sobre relações entre "ex namorados")



Eu, como uma estudante de biologia e amante da etologia, tenho como uma leve desconfiança que a escrotice relativa à alguns indivíduos da espécie humana só pode ser de origem puramente genética. Nada de comportamento aprendido, pois certos tipos de escrotices são simplesmente muito absurdos para serem aprendidos por aí pelo mundo.

Um exemplo claro de escrotices que eu nunca vou entender como um comportamento capaz de ser aprendido com outro ser humano- repito com mais ênfase, nunca- é a relação que se dá entre os chamados “ex-namorados” . A única explicação que me cabe é que seria um comportamento inato.

Primeiro hei de definir o conceito de namorado: indivíduo sobre o qual é depositada uma gama de sentimentos muito fortes, tal qual: paixão, amor, adoração...etc. Pois então, você, por um acaso, ou não, da natureza, se encontra nas nuvens. O seu mundo não gira mais em torno do sol mas sim em torno da pessoa “amada”. Em tudo você a vê, em tudo você a respira, você troca seu programa de TV favorito para ficar ao lado da pessoa que te ensinou a voar sem sair do chão, sem a qual a sua vida não teria razão de ser.

Isto está soando um tanto brega? Piegas? Mas é assim mesmo que geralmente é descrito o estado sentimental das pessoas que estão namorando, principalmente no início do namoro, quando se vê poesia até em coco de borboleta. Tudo é lindo, tudo é divino, tudo é “eu te amo para sempre meu namorado (a) mais lindo do mundo”- note-se bem que o bom senso vai para o além, todo mundo vira míope, e o amor segue cegando fileiras, centenas de pessoas que nunca usaram óculos na vida. Tudo bem, até aqui nenhum problema, pois a beleza está nos olhos de quem vê. Teoricamente, para todo o chinelo velho, torto, sujo, rasgado, tem um pé cansando, chulezento e friorento.

Muito bem, eis que então o (in) esperado acontece. Aquele amor que iria durar para sempre, acaba em semanas, meses, anos ( raramente chegando ao famosos “felizes para sempre”). Lágrimas sem fim, travesseiros encharcados, presentes e fotos queimadas e aquela notinha no caderno de pensamentos : nunca mais vou amar alguém tanto assim, nunca vou esquecê-la (lo), nunca mais amarei ninguém...nuncas. .nuncas e mais nuncas.

Os dias que seguem se arrastam, semanas parecem meses e meses sei-lá o que parecem. Em qualquer esquina reside o medo de encontrar com o(a) ex-amado(a). Feridas ainda estão abertas, lágrimas ainda não secaram bem, e sonhos não vividos ainda perambulam na nova e cruel realidade solitária. Você faz uma lista de tudo de ruim da pessoa, liga pra mãe Diná que faz amarração, desamarração, macumba com pato, galinha, carneiro, leitura de mão, de pé, de íris de couro cabeludo e que encarna até o espírito do Elvis (mas peraí, ele morreu?!?!) até que um dia você consegue.

Por fim, um belo dia, você consegue esquecer o (a) dita (o) cujo (a). É momento de paz para o seu melhor amigo, que não vai ter mais que te consolar no meio da noite, inventando tudo quando é xingamento para o seu ( sua ) ex. É paz para a lavadeira que não vai ter que torcer mais seu travesseiro encharcado e levemente salgados. É paz para sua mãe que vai desistir da idéia de te levar para um psiquiatra para ele receitar aqueles remedinhos legais de tarja preta que vão diminuir sua mania incendiária (pois em cada gaveta sempre existem bilhetinhos que devem ser queimados).

É nesse momento, que podem surgir os primeiros sinais da escrotice maior. Por algum motivo ainda desconhecido, algumas pessoas simplesmente apagam da cabeça qualquer registro referente ao seu (sua) ex, seja ele bom ou ruim. Qualquer registro que indique até que o seu (sua) ex seja, no fundo, um ser humano, que sinte coisas como um ser humano normalmente sente e que só porque ele deixou de ser seu (sua) namorado (a) ele não deixou automaticamente de ser um ser humano.

Pelo fato de esses tipos de registros terem sido misteriosamente apagados da memória (acredito que por falha genética), as pessoas passam a se ignorar, pura e simplesmente, na melhor das hipóteses. Para aquela pessoa que um dia foi dedicado * infinitos mil beijos sem fim*, agora não resta nem um mísero “oi”, nem um macambúzio “como vai você?”, nem um semi suspiro que denote um menor sinal de preocupação para com o estado do (a) “ex”, como já diriam até : ex bom é ex morto. Só que tem um problema: a probabilidade de todo mundo já ter namorado alguém um dia é grande, isso leva a conclusão que todo mundo tem grandes chances de ser um ex também. Logo, pelo pensamento ex bom é ex morto, não haveria mais espécie humana.

Bom, o que quero dizer com essa baboseira toda? Poucas coisas são tão contraditórias do que simplesmente se ignorar (ou até torcer contra) a existência de uma pessoa que um dia viu você fazer xixi de porta aberta, viu você chorar nos filmes mais podres, riu das suas piadas mais horríveis e amou-te em seus menores detalhes, que seja naquela unha torta ou naquele sorriso secreto. Certas escrotices são simplesmente deprimentes.

E em pensar que existem uma grande chance de você ser odiado pelo seu provável futuro ex (ou atual namorado) ou simplesmente ter que pensar duas antes no fato de parar na faixa de pedestre ou não quando seu (sua) ex (ou antigo namorado) estiver atravessando, mas faz reconsiderar a validade da ação de namorar. Tudo bem, ninguém namora pensando em terminar (eu acho), mas para todos os casos, é bom ter a consciência que aquele (a) que divide agora contigo os seus momentos mais íntimos é uma pessoa e que se vierem a terminar um dia, esse ser continuará a ser uma pessoa (que um dia você provavelmente amou por demais), não importando que tipos de sacanagem ele (ela) aprontou, que tipos de merdas ele (ela) fez. No momento em que conviveram, houve trocas de personalidades, de pensamentos, de desejos, de sonhos. Respeitar, considerar o seu (ex) não é muito além do que respeitar você mesmo, em partes, na outra pessoa.

Salvo as exceções que são escrotas por natureza, acredito que as pessoas podem se respeitar e quem sabe até a se gostar minimamente, como colegas, que um dia foram amantes.