Sinto falta. Falta de acordar aos sábados de manhã para ir andar a cavalo aopodendo ficar até mais tarde curtindo o conforto de minha cama. De chegar à hípica com o sol recém saído, sentir aquela brisa gostosa provocando um farfalhar sonoro das árvores que sombreavam o caminho até as baias. Falta de chegar perto das baias, e de tentar, na ponta dos pés, olhar o magnífico animal que estaria lá dentro. Caminhava de baia em baia, apoiando com as mãos na porta para olhar e acariciar cada animal. De longe avistava alguns me olhando curiosos com as cabeças foras de suas baias. Aproximava-me lentamente, num misto de medo e admiração, estendia a minha mão e deixava que me cheirassem. O medo ia desaparecendo e me aproximava mais,e eu, que já sou pequena, me sentia menor ainda perante esse animais. O tempo parava enquanto eu me enxergava em seus grandes olhos negros, enquanto eu conversava baixinho com cada um deles, enquanto eu brincava com suas grossas crinas, fazendo tranças, entrelaçando meus dedos por entre os fios. Sinto falta do cheiro das baias, do cheiro dos animais. Tem gente que sei que vai me achar louca por gostar desses cheiros, mas hoje em dia, sempre que sinto odores como esses, imediatamente sou transportada àquela época. Sinto falta do som dos cascos batendo contra o chão, como uma música cuidadosamente preparada. Do modo como me seguiam quando eu os tirava da baia, e eles, naquele passo lento e cadenciado, como que agradecendo por lhes permitir respirar o ar do dia que nascia. Sinto falta do ritual de ver o tratador colocar-lhes a sela, o arreio, arrumar os estribos. Atentava-me em cada detalhe na esperança de um dia poder repetir esse ritual num animal que fosse só meu. Antes de montar, acariciava suas crinas, dava suaves tapinhas em suas largas testas como que pedindo para que fossem pacientes comigo. Sinto falta, de, em minha inicial falta de orientação, nunca saber qual era o lado certo de montar. Tinha medo, pedia ajuda do tratador para me colocar em cima dos animais. Lembro de como me senti grande no dia em que consegui subir na sela sem ajuda. Não que eu houvesse crescido, apenas havia perdido o medo, havia aprendido que não devemos temer esses belos animais, mas sim amá-los. Sinto falta do sentimento que tinha cada vez que eu montava em um animal. Via tudo mais longe. Lá em cima, me sentia poderosa, sentia-me capaz que chegar a qualquer lugar, traçar meus próprios horizontes e enfrentar qualquer obstáculo.
As aulas de montaria aconteciam ora em campo aberto ora em um picadeiro. Lembro que fiquei feliz ao entrar pela primeira vez em um picadeiro. Lembro que fiquei com medo quando fiz o cavalo trotar pela primeira vez. Mas foi um dos medos mais gostosos que já senti. Sinto falta de medos assim. Sinto falta de sentir o vento contra meu rosto me refrescando do calor do sol que ia esquentando cada vez mais a manhã. Meu instrutor sempre me chamava atenção porque eu, vira e mexe, me distraia acariciando as ancas e o pescoço do animal, me sentia sem graça e constrangida. Hoje vejo que não havia porque me sentir constrangida por motivos como aqueles. Sinto falta de sentir que o mundo sumia em nuvens de poeira levantadas pelas passadas dos animais , de sentir que todas as minhas tristezas ficavam para trás quando eu conseguia fazer o meu cavalo galopar, de sentir meu coração disparar quando meu instrutor aumentava a altura dos obstáculos à minha frente e depois de sentir meu coração bater mais leve quando conseguia passar por esses obstáculos sem derrubá-los. Sinto falta até mesmo dos tombos que hora ou outra eu tomava. Quisera eu que todos os tombos da vida fossem como àqueles. Limpava rápido a terra do corpo e corria atrás do animal para montá-lo novamente.
Por fim, sinto falta da leve tristeza que eu sentia quando a aula terminava e eu tinha que ir embora, mas sabia que essa tristeza só duraria até o próximo sábado, quando, novamente acordaria de manhã e entraria em um mundo me proporcionaria tantos sentimentos bons para sentir essa gostosa saudade.